Além do tempo: dois anos depois, o que José Aldo Vs Conor McGregor no UFC nos ensinou?
Eu estava lá! Aquele 12 de dezembro de 2015 entrou para a minha história. Era a quarta vez que eu viajava até Las Vegas (EUA) num espaço de 11 meses. Acredite se quiser, mas viajar a trabalho para cobertura de eventos do UFC é uma missão nem sempre tão glamourosa. Aliás, não há glamour algum. Noites mal dormidas, dores de cabeça, pouco conforto, exaustão… Lazer? Apenas o mínimo, na maioria dos casos. É especial fazer parte de eventos históricos, gratificante profissionalmente, uma experiência indescritível. Mas o trabalho árduo e incessante a que se presta pode surpreender muita gente. A questão é que sempre vale a pena. E naquela noite, depois de uma semana pesada de trabalho, eu tive pela enésima vez aquele sentimento… Jornalismo é uma doença que só entende quem ama. Não tem cura. E no UFC 194, diante de José Aldo Vs Conor McGregor, em Las Vegas (EUA), eu senti que provavelmente vou morrer com isso. E feliz.
Esporte sempre foi minha paixão. Desde adolescente era viciado em tudo que se relacionava a esporte. Sabia tudo sobre qualquer modalidade. À noite, recebia meu pai em casa com um boletim esportivo que havia “apurado” durante o almoço assistindo ao Globo Esporte. Ele quase sempre já sabia de tudo, já que também assistia ao programa. Aos poucos, fui crescendo e a luta ganhou o mesmo espaço que o futebol no meu coração – hoje o futebol não aguenta 13 segundos com a luta.
Aldo Vs McGregor foi tão grande que pela primeira vez na história tivemos uma turnê mundial para uma luta do UFC. Tá, outras lutas tiveram algo parecido antes, mas nada igual. Foram nove dias, sete cidades e quatro países diferentes visitados para promover o combate. Foi muito maior do que qualquer outra promoção. Eu só estive presente na passagem pelo Rio de Janeiro, em março daquela temporada, onde a turnê estreou. Fiz algumas perguntas naquela coletiva que contou até com Ronda Rousey na bancada. Era o início de algo que se tornaria gigante no mundo das lutas. E na minha vida também.
Aldo x McGregor foi um sonho. Dois anos depois, confesso que tenho até saudade de esperar por essa luta. Não me lembro de outra luta que tenha me deixado tão mexido. Infelizmente, parte de toda promoção feita foi por água abaixo. Também estive no UFC 189, em julho, daquela ano, na primeira data pretendida para o duelo. José Aldo faltou ao encontro. “Tropeçou” nos treinos e Conor perdeu seu parceiro de dança. Mas o irlandês deu show do mesmo jeito. Ele consegue brilhar sozinho. Naquela luta contra Chad Mendes, também em Vegas, o irlandês provou que não foi sorte que o levou ao topo. E o que mais me impressionou foi o poder de McGregor fora do octógono. Ele já era uma estrela. Astro principal, aceitou enfrentar o americano de última hora, conduziu o show, movimentou uma legião de fãs irlandeses à Vegas e deu conta do recado. No fim, deixou em dúvida o retorno de Aldo, mas se colocou à disposição para enfrentá-lo. Ainda acho que se Aldo x McGregor acontece no UFC 189, o brasileiro tinha mais chances. Esperar mais seis meses para pisar no mesmo octógono que o rival ferrou com sua mente e o levou à exaustão psicológica depois de tanta provocação até a luta acontecer. Sem contar que quando a luta aconteceu, em dezembro de 2015, parte da expectativa pelo duelo tinha sido esfriada, ou amenizada. Estive no UFC 189 e no UFC 194 e digo sem pensar duas vezes. O clima do evento de julho foi muito mais empolgante que o de dezembro.
O conjunto com o poder midiático de McGregor somado às credenciais esportivas de José Aldo resultavam em um combate para lá de intrigante. O irlandês falava tanto que nos fazia acreditar ser possível sua vitória contra o brasileiro. Aldo, então campeão, seguro e aparentemente inabalável, era uma espécia de trunfo brasileiro. Outros medalhões podiam até decepcionar os fãs, como já haviam feito meses antes. Mas Aldo, não. Ele não falhava.
Esse trailer, feito por um fã, me provoca arrepios até hoje. O assisto uma vez por mês pra matar a saudade. É sério!
Com a proximidade do UFC 194, o trabalho direcionado ao evento aumentava. Estatísticas, entrevistas, galerias de fotos, análises, mais entrevistas, perfil, matéria especial. Tudo isso entra em pauta quando um jornalista está diante de um evento histórico. Aquele evento foi diferente. Para completar, o UFC resolveu fazer mais dois eventos nas vésperas do UFC 194. Foi evento na quinta (10/12), na sexta (11/12) e no sábado 12/12). Guardadas as devidas proporções, multiplique por três o trabalho direcionado ao UFC 194.
Aquela semana me proporcionou experiências especiais das quais nunca vou esquecer. Mas talvez a maior delas tenha acontecido na hora da luta mesmo. Depois de ver Thomas Almeida, Demian Maia e Warlley Alves vencerem suas lutas – e Ronaldo Jacaré ser prejudicado contra Yoel Romero, chegava a vez de José Aldo. Um evento do UFC dura em média cinco horas. Naquela noite, esse tempo passou rápido. Fotos, vídeos, crônicas, tempo real, entrevistas… Isso tudo rola durante o evento. Quando chegou a hora da luta, eu estava na sala de imprensa montada no MGM Grand, subindo a crônica de Chris Weidman Vs Luke Rockhold. Gastaria tempo demais até descer à mesa que tinha o meu nome à beira do octógono. Minha ideia foi, então, planejar uma crônica diferente, feita de dentro da torcida irlandesa, na arquibancada mesmo. Afinal, os torcedores roubaram a cena com sua empolgação e apoio incondicional a Conor. Tanto a vitória quanto a derrota renderiam boas histórias da arquibancada. Mas…
Conor McGregor apareceu, José Aldo entrou no octógono. Eu, na arquibancada, estava rodeado de irlandeses embriagados. E antes de continuar a história, preciso ressaltar: a torcida irlandesa é especial. O brasileiro é fanático, mas se machuca, sofre junto na derrota e só vibra na glória. O irlandês valoriza o que acontece no octógono, mas tenha certeza de que se McGregor tivesse perdido, o combo da boate estava garantido do mesmo jeito. O importante para eles é curtir a experiência, não colocar tanto peso no momento. Conor McGregor é irlandês, oras. E foi exatamente isso que ele fez. O irlandês sabe bem como curtir o momento em que seus rivais sentem o peso do mundo nos ombros.
Antes do combate começar, notei no telão do MGM Grand Garden Arena que Aldo, normalmente cabisbaixo diante de seu rival no octógono, até o duelo começar, estava tentando olhar para frente, sem levantar a cabeça, como quem se preocupa com o que o oponente está fazendo. Achei que ali havia algo errado, mas nem deu tempo de valorizar.
A luta começou, e segundos depois, uma fração de silêncio seguida do barulho gerado pela cabeça de Aldo batendo no chão do octógono. Nocaute! Minha crônica foi pro c… O reinado de Aldo também. No meio daquele mar verde, me restou resistir o suficiente para presenciar a alegria desenfreada de quem acabara de viver um momento histórico para seu país. A chuva de cerveja me expulsou minutos depois. Embora me caísse bem um gole, não era hora. Definitivamente.
Não há tempo para respirar, absorver, colocar a cabeça no lugar. No jornalismo, você aprende a ser frio. Na sala de imprensa, que fica a poucos metros da arquibancada, membros da imprensa brasileira chegavam com quase a mesma expressão facial. É como se naquele momento, nós, jornalistas e especialistas no assunto “MMA”, tivéssemos de explicar algo que nem nós entendemos como aconteceu. “Que p… foi essa”? “Não é possível”. Palavrões intervalados com questionamentos. Irônico ou não, naquele momento, não se pode ter dúvida. Internautas e leitores do país inteiro vão buscar respostas e, nós, que não somos os donos da razão, precisamos ao menos facilitar o caminho deles. Não é fácil.
O celular não parava. No Brasil, eram quase seis da manhã, e centenas de mensagens perguntando o que aconteceu e disparando críticas levianas a José Aldo continuavam movimentando o celular. Até o famoso “tava tudo armado” apareceu. E irritou no meio da loucura que é o pós-evento.
Sim, é uma frustração danada fazer um trabalho jornalístico enorme para uma luta que dura 13 segundos. Pior ainda foi ver tantas críticas a José Aldo depois de passar a semana contando a história de superação de um dos maiores lutadores da história. Ninguém leu nada? Já esqueceram tudo? Estas são apenas algumas dores da profissão.
Sim, claro, há a delícia. Lembrar dois anos depois que você contribuiu para contra a história de um dos capítulos mais insanos da história do MMA é gratificante. Dá orgulho. Ver o desenvolvimento de um astro como Conor é precioso. Dizer que “eu estava lá quando isso aconteceu” também tem seu valor.
Coisas que só o jornalismo nos proporciona.
Os caminhos de José Aldo e Conor McGregor nunca mais se cruzaram. E provavelmente eles não se encontrarão nunca mais como rivais. A carreira do irlandês decolou, enquanto a do brasileiro declinou.
Para Conor McGregor, o UFC 194 representou mais um passo rumo ao legado único e brilhante que o irlandês segue construindo no mundo das lutas; para José Aldo, representou a perda da invencibilidade, do reinado e até (injustamente) parte do respeito que ele ostentava no MMA e especialmente com o povo brasileiro.
Para este que vos escrever, o UFC 194 representou um marco. Naquela noite – não mais que as outras, mas de uma forma especial – o MMA mostrou seu poder de comoção em um só coração. Um turbilhões de emoções catapultados e imediatamente reprimidos. Ainda não encontrei remédio para lidar com isso. E não sei se quero.
Naquele 12 de dezembro de 2015, aqueles 13 segundos mostraram mais do que nunca que o MMA, amigos, vai muito, mas muito além da luta.