Análise: sucesso de Croácia e Uruguai na Copa indica que ser pequeno, hoje, é uma vantagem
Países de menor população (e maior qualidade de vida) conseguem filtrar melhor os ruídos e as cobranças que tanto complicam Brasil, Itália, Alemanha e Argentina
O editor do Ganhador deve estar interessado em yoga ou meditação. Só pode ser isso. É a segunda vez em duas semanas que ele pede para escrever sobre o Uruguai e sobre como o minúsculo e tranquilíssimo país viveu a Copa do Mundo terminada na Rússia. Respondo, senhor editor, que vivemos muito bem, obrigado, e que o desempenho na Rússia é só um reflexo disso. Terminar em quinto – o melhor sul-americano – demonstra que a sanidade mental vivida por aqui traz boas consequências e boas reflexões.
No mar e no mato
Uma das coisas mais repetidas pelos uruguaios é que a ausência de Cavani determinou a derrota por 2×0 para a França. Ninguém deixa de reconhecer que as lesões e os desfalques fazem parte da Copa do Mundo. Mas também não dá para deixar de ponderar que, caramba!, faz muita diferença perder o autor dos dois gols da partida anterior, e que ele enfrentaria ainda os jogadores do país onde brilha há cinco anos. Talvez este detalhe tenha passado despercebido no Brasil, mas foi cruel demais acompanhar que Cavani, Rei de Paris, não pôde transformar os franceses em súditos de novo, e em pleno Mundial.
Cavani é o exemplo perfeito para explicar aquilo que o uruguaio moderno apregoa hoje tanto quanto os velhos falavam da garra charrúa e das patadas de Obdulio Varella e Diego Forlán. Hoje, em um futebol tão específico, tão globalizado, com todos adotando os mesmos princípios e levando-os a limites tão distantes de anos atrás, é uma vantagem contar com um entorno favorável e extremamente tranquilo.
Alguém consegue imaginar Neymar pegando um ônibus na rodoviária de São Paulo para descer a serra e visitar a família em Santos? Pois foi o que Cavani fez na preparação para a Copa, saindo da sua cidade-natal, Salto, e se juntando à seleção em Montevidéu como um passageiro de transporte público qualquer. Ele não é o primeiro a fazer isso. Diego Lugano era outro que cansava de andar de ônibus até mesmo nos tempos de capitão e até mesmo pela capital, sempre em pé, sempre oferecendo o assento aos demais. Sem dramas, muchachos.
O Uruguai hoje é um típico caso de “pé no chão”. Os principais jogadores do país atuam na Europa e são estrelas multimilionárias, mas cresceram educados para serem o que são: homens comuns, não máquinas de absorver pressões e de enlouquecer com os memes e com as gozações que levaram Messi e Di María, por exemplo, à beira da depressão – e é bom que Neymar se cuide para não ser mais um.
A derrota para a França não foi lamentada de maneira nenhuma pelos uruguaios. Vida que segue. O mundo é uma bola, sim, mas não de futebol. O futebol é maravilhoso, de fato, os uruguaios amam o esporte e talvez tenham oferecido ao mundo o escritor mais brilhante ao se tratar dele, o incomparável Eduardo Galeano, mas entre nosotros há um mantra impossível de ser refutado pelos mais sensatos: “O futebol é bom, mas a vida é muito melhor”.
Já o irmão europeu….
Cabe refletir também sobre a Croácia. O pequenino Uruguai, de 1,5 milhão de habitantes, foi o melhor país da América do Sul nesta Copa do Mundo. E esta Croácia vice-campeã de 4,2 milhões, o que pode significar?
Pode significar que esta globalização e esta era de conhecimento horizontal derrubaram as fronteiras do saber e que a próxima fronteira a ser derrubada é a psíquica. O planeta está à beira do colapso, explodindo de gente, e se vive cada vez pior nos grandes centros, e isso se reflete em todo o ambiente que caracteriza a Copa do Mundo. Lugares mais modestos – e mais acolhedores – oferecem um entorno mais saudável para gente do mundo todo desempenhar melhor as suas funções sem pirar com o caos total.
O uruguaio é famoso por andar, tranquilo, enquanto “todos os outros estão correndo”. E esta correria toda está cobrando um preço alto. Vide a seleção argentina, com tantos jogadores espalhados pelo Primeiríssimo Mundo, mas com nenhum deles conseguindo lidar com o verdadeiro descontrole que hoje acomete os argentinos e especialmente os portenhos, os que moram em Buenos Aires, na capital.
A França é um caso interessante a se observar. A sua vitória foi apenas uma resposta a isto que estamos traçando: ela aprendeu com tudo o que foi gerado de ruim com sua derrota em casa na Euro-16 e soube dar a volta por cima. Será o caminho agora de Brasil, Itália e Alemanha, gigantes que vivem momentos sociais dos mais complicados.
Cabe ao trio que manda no futebol encontrar as suas saídas e reconhecer que as suas largas dimensões ajudam para muita coisa, sim – inclusive para se esconder e fugir de todas as distrações que boicotam qualquer missão grandiosa.