Opinião: Brasil não aprendeu a ser vitorioso na Libertadores com os argentinos
No período de maior fartura do futebol brasileiro na principal competição futebolística da América do Sul, foram nove clubes campeões, 12 títulos no total e 19 participações em finais; mas frustração em 2017 é uma lição de que não adianta só ter um elenco milionário
Meu grande e talentoso amigo Matías Carranza teve uma catarse com a classificação histórica do seu venerado River Plate, após a “remontada” sobre o “poderoso” Jorge Wilstermann (BOL) nas quartas de final da Copa Libertadores da América. Foram tantos gritos de gol que ele acabou pigarreando com a caneta. Claro, um placar de 8 a 0 é sempre um feito a se exaltar, mas sobrou até para o futebol brasileiro. Nosso estimado escriba afirmou que o Brasil enquadra-se mais para o que seria uma segunda divisão da Libertadores.
“…é Série B, de “bobo”, “boludo” ou “besteira que fizemos com o nosso esporte”, afirmou.
Primeiramente, gostaria de frisar que não se trata de um direito de resposta ou afronta ao querido Dom Carranza, que expressou sua opinião de maneira sincera e com um olhar que reflete um pensamento generalizado do argentino sobre a nossa forma de disputar a principal competição da América do Sul. Aliás, se eu me colocasse no lugar deles, teria a mesma opinião.
Porém, na espuma da reflexão, existe a questão do temperamento, quando nossos hermanos, que bailam em campo sob o ritmo sincopado do tango, entendem que a malemolência brasilis tem ares de desleixo. Resumindo, o sangue no rosto (ao melhor estilo do uruguaio De León erguendo a primeira Libertadores do Grêmio) é mais belo que um drible desconcertante. Natural. Afinal, para quem nunca estampou o sorriso no rosto com o samba no pé (dá para fazer rima com Mané), a preferência pelo drama, aquela puxada de camisa na comemoração do gol e a cara de homem abandonado pela amada em direção ao alambrado são mais habituais no imaginário portenho.
A REALIDADE EXPOSTA PELOS NÚMEROS
No limiar da euforia, o Matías se fixou em 2017 e esqueceu o rolo compressor verde e amarelo que passou sem piedade pelos estádios sul-americanos entre 1992 e 2013. Neste período, houve um domínio avassalador com a concorrência solitária do mágico Boca Juniors de Riquelme, um oásis argentino naquele tempo em que River, Vélez Sarsfield e Estudiantes arrebataram um título apenas. O futebol pentacampeão do mundo levantou taças com São Paulo (3), Grêmio, Cruzeiro, Vasco, Palmeiras, Internacional (2), Santos, Corinthians e Atlético-MG, além dos vices de Fluminense, Atlético-PR e São Caetano. Se isso é Série B, não sei o que seria a divisão de elite. A Liga dos Campeões da Europa, talvez.
NÚMEROS DO FUTEBOL BRASILEIRO NA LIBERTADORES DE 1992 A 1993:
- Clubes campeões: nove
- Total de títulos: 12
- Participações em finais: 19
Mas o que, na verdade, o Carranza quis evidenciar (assertivamente) é que os clubes do Brasil que mais investiram na disputa da Copa Libertadores deste ano – Palmeiras, Flamengo e Atlético-MG, tiveram campanhas medíocres. Só que discordo veementemente com a ideia de que a precoce eliminação do trio foi resultado de soberba, falta de raça e foco maior na ostentação da riqueza nas redes sociais em detrimento do suor e sangue em campo.
ELENCO X BASE SÓLIDA
No futebol brasileiro, há um bom tempo, é entoado o mantra do elenco. A cada ano, jornalistas e técnicos batiam na tecla de que, para disputar várias competições ao mesmo tempo, era preciso de um plantel qualificado. Alguns treinadores chegam a trabalhar com 40 atletas. Hoje, muito em função do fracasso dos times de maior investimento do Brasil na Libertadores, o discurso mudou para um grupo com 25 jogadores, quando o técnico contaria com “16” titulares.
O que faltou a Flamengo, Atlético-MG e Palmeiras foi uma base sólida, um time principal definido e escalado de ponta a ponta por cada torcedor. É justamente o que o Grêmio de Renato Gaúcho faz e o valente Botafogo de Jair Ventura mostrou. Apesar da eliminação para o Tricolor gaúcho, o Glorioso deu uma aula de Copa Libertadores, quando deixou para trás cinco campeões, lotou o estádio Nilton Santos em todas as partidas e encantou o país com uma equipe que compensou a fragilidade técnica com a luta. Seria o Fogão a mais argentina das equipes brasileiras?
Tudo é questão de base, continuidade, trabalho sério. O Verdão perdeu Cuca após o título do Brasileirão. Eduardo Baptista assumiu e logo foi trocado pelo próprio Cuca. No Galo, Roger Machado assumiu no início da temporada e já foi dispensado. No Flamengo, Zé Ricardo, responsável pela classificação para a Libertadores, também foi demitido. Todos tiveram muitos reforços, mas não formaram uma equipe sólida. Com menos recursos, Renato e Jair foram mais competentes.
Agora, a pergunta que não quer calar: se o futebol argentino é a Série A da Libertadores, como explicar o fracasso da Albiceleste nas Eliminatórias? Além de já estar no terceiro treinador na competição, nenhum dos técnicos conseguiu definir 11 titulares em um grupo sem identidade e que cresceu nos gramados europeus. E por que o Uruguai dá certo? Maestro Tabárez está no comando desde quando? Existe uma base desde 2010. Aliás, quando assumiu a Seleção Brasileira, Tite aproveitou o “corpo” do Corinthians que ele treinou com muito êxito para reconstruir a equipe pentacampeã.
Para finalizar, coloco, sim, o River Plate como favorito ao título da Libertadores. Mas o Grêmio não é o Jorge Wilstermann. Além disso, os Milionários precisam passar pelo compatriota Lanús, que surpreendeu o San Lorenzo na etapa anterior. Há um árduo caminho para o River mostrar que a goleada sobre os bolivianos não foi um voo de “Galinha”.