Copa Sul-Americana

Que volte o Fla-Flu de antes (com as dicas do grande livro do momento)

Foto: Buda Mendes/Getty Images

Nós, que estamos fora do Brasil, não conseguimos entender. Como foi possível matar este símbolo da alegria carioca como o Fla-Flu?  

Queridos Flavio Soares e Miguel Gonzalez, qué tal, muchachos?!

Sei que vocês estão com um olho no peixe e outro no gato, uma tela na Libertadores com este Grêmio x Barcelona e outra no Fla-Flu da Sul-Americana das 21h45 (de Brasília) desta quarta (25) no Maracanã. O Miguel acredita na vitória do Flamengo, enquanto o Flavio defende a soberania do Fluminense.

Vou fazer uma revelação a vocês e aos leitores do Ganhador: não há clássico internacional que um argentino da minha idade, ali pelos 40 anos, goste mais do que o Fla-Flu.

Eu era criança no Parque Saavedra, aqui em Buenos Aires, quando escutava as transmissões de rádio deste clássico. Sim, a rádio portenha transmitia o Fla-Flu! A razão era o goleiro da nossa seleção, o inesquecível Pato Fillol, ser também o arqueiro do Flamengo de Zico, Leandro e Andrade.

Dava vontade de chorar ouvindo os relatos e imaginando as quase 200.000 pessoas sambando ao redor de um gramado de futebol que, tínhamos a sensação, parecia flutuar. A energia era contagiante, tanto que nesses tempos ficou muy famosa por aqui a frase “a alegria não é só brasileira”, tamanho o fetiche que tínhamos pelas praias, pelo calor e pelo futebol de vocês, que era mesmo divino. Me dizem aqui que os brasileiros hoje são enfeitiçados por Miami, é isso mesmo? Nós éramos e seguimos amando o Rio de Janeiro.

Mas onde foi parar tudo isso, Flavio e Miguel, o que vocês podem me dizer?

Como ver hoje este Fla-Flu aborrecido, em um estádio repleto de alma, mas retorcido e sem cara, com um público esquisito, que parece torcida de jogo de tênis?

Como vocês permitiram que o Maracanã tão popular e alegre virasse esta cancha fria, sem raça, sem graça, sem setores populares, sem gente invadindo o gramado para colocar uma coroa de papelão na cabeça de um Zico?

Tudo bem, o Zico parou de jogar e era realmente o deus do Maracanã, mas falo da relação do povo com este futebol – increíble! – mecânico e pragmático que hoje se joga no Brasil.

O que vocês fizeram com este patrimônio tão gigante como a Amazônia?

 

Queremos o velho Fla-Flu de volta!

Flavio e Miguel, fica a dica de um livro bien interesante: “Que vuelva la celeste de antes”, uma reflexão uruguaia sobre como o futebol deixou de ser um esporte de combate para virar uma atração um pouco boba, com a gente sendo tratada como fantoche nas mãos de cartolas e de jogadores que só querem saber de dinheiro.

É uma apologia ao futebol de antes, e acho que isso serve também para vocês e para este descaracterizado Fla-Flu. Soube agora que o Paolo Guerrero não vai jogar, que vai ser poupado com dores na coxa.

Poupado? De um Fla-Flu copeiro? Só pode ser brincadeira, brasileiros, e nisso vocês são realmente incomparáveis. Ninguém no mundo conta piadas como vocês. Pelo Peru, o Guerrero joga até com uma perna só, como vimos aqui na Bombonera!

O futebol carioca sempre foi festa, sempre foi para a gente os cabelos longos do “Loco” Doval e o capacete do Júnior. Como vamos deixar que estraguem o nosso esporte com meninos depilados e perfumados que não são dignos de levar adiante tamanha tradição, queridos?

Onde foram parar o orelhão atrás do gol, o “Suderj informa”, as chuteiras pretas, o placar com aquelas letras simples, fortes, marcantes? O mundo deixou de ser simples e marcante para virar uma coisa tonta, fabricada, cheia de estímulos, multicolorida – não sabemos sequer para onde olhar, mas todos sabem onde fisgar – o nosso bolso, é claro.

Não sei o que vocês vão fazer e o que vão olhar, mas eu já decidi que esta noite de quarta vai ser mais de leitura que de Fla-Flu. Esse jogo anêmico de vocês já não contagia mais. Sou deste tempo aqui, como descreve o livro que recomendei:

Não tínhamos nem televisão, nem celular e nem internet. Mas tínhamos sonhos de poder jogar e viver o futebol. Tínhamos fome. E o estádio era o nosso prato. Era o que nos alimentava. Era o que nos nutria. Acostumávamos-nos a jogar com o vento na cara e o calo no pé. A chuva no corpo, o suor na testa, o calor na nuca. Nossa vida era driblar e chutar. Códigos, lealdade, companheirismo. O time e a camiseta. Assim sempre vivi.”

Conte com nossa ajuda para a volta dos dias melhores.

Aqui, à beira do Rio da Prata, conto que é impossível parar e ver um jogo em que a torcida de vocês parece brincar de estátua – 90 minutos imóveis e estáticos, imitando o Cristo Redentor. Una locura.

Abrazos, hermanos!

Matías Carranza