A anarquia da Argentina já custou a cabeça de Messi. Agora, deve custar também a carreira
Só mesmo um milagre salva a seleção azul e branca do maior vexame da sua história. Messi, convenhamos, merecia uma estrutura de trabalho muito melhor…
Os argentinos talvez sejam mesmo os torcedores mais engraçados do mundo, com um tom de dramatismo que não se encontra em nenhuma outra parte. Falamos com conhecimento de causa, vivemos o dia a dia do país há quase uma década. Podemos garantir: por aqui, o tom dos fanáticos era de que a Argentina havia recebido dois tiros e estava para ser velada, mas o defunto abriu o caixão e saiu andando.
(Sim, fizeram esta comparação em um programa de TV depois da derrota para a Croácia e depois da sobrevida dada pela Nigéria ao vencer a sua segunda partida.)
É neste clima de imensa loucura que a Argentina encara a Nigéria às 15h (de Brasília) desta histórica terça-feira (26) em São Petersburgo. Falar de loucura argentina é quase redundância, pois nada além do destempero tem pautado as decisões do futebol no país nos últimos anos. Chega a lembrar as antigas desavenças brasileiras nos tempos de CBD, CBF e nos atritos que eram gerados lá atrás, nas décadas de 60 e 70, com as “panelinhas” entre cariocas, paulistas, mineiros e gaúchos.
Por falar em panelinha… alguém já se deu conta de qual é o símbolo argentino para fazer os protestos chamados de “panelaços”, os cacerolazos?
E Messi?
Que ninguém acredite em nada diferente: o craque do Barcelona é considerado por muitos argentinos como o vilão da situação caótica vivida pela seleção. Pobre Lionel. Como se ele tivesse ao seu dispor, pela Argentina, 20% da estrutura que tem para si na Catalunha.
O primeiro ponto a ser observado em qualquer análise sobre o seu papel vestindo azul e branco tem a ver com a absurda rotação de técnicos na seleção. Messi estreou pela Argentina em 2005 – há 13 anos, portanto. E foi comandado por nada menos que oito técnicos diferentes: José Pekerman, Alfio Basile, Diego Maradona, Sergio Batista, Alejandro Sabella, Tata Martino, Patón Bauza e agora Jorge Sampaoli.
Como alguém pode exigir que ele se encaixe em um projeto esportivo se tal projeto não existe, se o comandante é trocado toda hora?
Messi e Sampaoli não fizeram juntos nem dez jogos – esta decisão insana contra a Nigéria será apenas a nona jornada de ambos juntos. O próprio Sampaoli derrapou feio ao não conseguir armar a equipe ao redor da sua maior estrela. O destempero do técnico nas partidas mais bicudas das Eliminatórias já havia deixado claro que a sua missão à frente da Argentina na Copa estava condenada ao fracasso. O que ninguém acreditava em Buenos Aires era que o papelão seria tão grande, com uma eliminação em um grupo com Nigéria, Islândia e Croácia. É mesmo para tocar fundo e encontrar respostas a partir daí.
Pessimismo total
Nenhum torcedor sensato aposta um peso furado na vitória da Argentina e na sua classificação. Chega a ser infantil projetar que um time que não joga nada há mais de dois anos possa, de uma hora para outra, só pela “raça argentina”, eliminar uma Nigéria que está encorpada, em melhores condições físicas e táticas. A única maneira de a Argentina realmente conquistar esta classificação seria com as táticas espúrias que já cansamos de ver, como enervar o adversário, pressionar o juiz ou qualquer coisa do tipo. Os portenhos mais maldosos até emendam uma gozação cantando “O VAR chegou e a Argentina acabou”. E está sendo difícil encontrar argumentos para rebater.
Messi já demonstrou mais de uma vez que a sua história com a seleção é uma tragicomédia, e que a cobrança que ele se dispõe a lidar é fatal para qualquer atleta. Maradona só fez o que fez porque o mundo era outro e ele estava imune a muitas das gritarias e das vigilâncias que marcam os nossos tempos de redes sociais. Pode-se dizer que a Argentina já custou a cabeça de Messi, que em vez de olhar para baixo ou simplesmente ficar em silêncio, sem cantar o hino, como nos acostumamos, agora até mesmo se esconde no momento mais solene e patriótico, como dramaticamente vimos no jogo contra a Croácia.
Chega a ser desumano.
Ok, percebemos que esta Argentina já custou a cabeça de Messi – e mais de uma vez, como no choro do Maracanã, na derrota com pênalti perdido para o Chile ou neste pungente gesto contra a Croácia. Mas o papelão que se aproxima deve custar também a sua carreira e a reputação. O imediatismo do futebol atual não vai perdoar esta eliminação na primeira fase de uma Copa do Mundo – Portugal passou por isso há quatro anos, mas nem podemos comparar a seleção de cada um dos países e, principalmente, o fervor com o qual as populações encaram o futebol.
Messi está a horas de entrar para a história não por tudo o que fez pelo Barcelona. Mas sim pelo que vai deixar de fazer com a Argentina, que está muito perto de sofrer o seu maior fracasso de todas as Copas. Como dizem os próprios portenhos: Mamita querida…